A trajetória de vida da líder comunitária e religiosa Mãe Stella de Oxóssi foi celebrada pelo Congresso Nacional nesta quinta-feira (12), em sessão solene no Plenário Ulysses Guimarães. Presidindo a cerimônia, o senador Jaques Wagner (PT-BA) exaltou os feitos de Mãe Stella pelas culturas e religiões afro-brasileiras.
— Hoje nos reunimos para celebrar a memória de uma grande mulher, uma sacerdotisa emérita e uma cidadã exemplar: Maria Estella de Azevedo Santos, a inesquecível mãe Estela de Oxóssi. (…) Ao longo da vida frutífera de Odê Caiodê, muitas pessoas de origens diversas, brancos, negros, indígenas, mestiços, não só religiosos de diferentes credos, como também agnósticos e ateus, lhe testemunharam respeito e admiração, conquistados que foram por sua figura imponente, benévola e generosa — disse o senador.
Centenário
Em 2025, Mãe Stella de Oxóssi completaria 100 anos de vida. Uma das mais importantes lideranças religiosas do Brasil, reconhecida por sua contribuição para a cultura afro-brasileira e para a luta contra a intolerância religiosa, ela morreu em 2018, aos 93 anos. Durante a sessão solene foi lançado um carimbo comemorativo em homenagem ao centenário de nascimento de Mãe Stella.
A sessão solene foi requerida (REQ 7/2025–Mesa) por Jaques Wagner e pelos deputados Bacelar (PV-BA) e Lídice da Mata (PSB-BA). 
— Nascida sob a proteção de Oxóssi, o caçador que nunca erra o alvo, Mãe Stella foi flecha certeira contra a intolerância, a ignorância e o preconceito. Fundou a comunidade Oba Biyi, criou escolas, museus, hortas, oficinas; publicou livros, pronunciou conferências, formou líderes, acolheu crianças. Como enfermeira, cuidou dos corpos, e, como sacerdotisa, curou as almas. Era firme, sem ser intolerante. Como Oxóssi, amava ensinar e aprender — afirmou Bacelar.
Também participaram da solenidade a ministra da Cultura, Margareth Menezes; o defensor público-geral federal, Leonardo Magalhães; a ialorixá Mãe Ana de Xangô “Obá Gerê”, presidente do Conselho Religioso do Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá; e o deputado Vicentinho (PT-SP). 
Margareth Menezes afirmou que Mãe Stella é uma referência fundamental para a espiritualidade do candomblé, para a sociedade brasileira e para a “rica tapeçaria cultural do nosso Brasil”. 
— É um exemplo de que nós não devemos abrir mão dos nossos direitos e de estarmos representados em todos os lugares de poder para nos defender da perseguição e da incompreensão de que o racismo estrutural ainda insiste em perseguir o nosso povo e a nossa cultura. A vida e a obra de Mãe Stella de Oxóssi são um legado vivo que nos desafia a manter acesa a chama da tradição, da memória e do respeito às raízes negras e africanas que formam nossa identidade. Que esse centenário não apenas celebre suas conquistas e ensinamentos, mas que também se torne um símbolo de resistência, sabedoria e amor à nossa cultura — disse a ministra.
Mãe Ana lembrou que Mãe Stella pregou ensinamento, tradição e respeito, e foi, além de ialorixá, uma mulher negra empoderada e intelectual.
— Mãe Stella é a estrela, no orum e no aye, é a nossa estrela, é o nosso ensinamento, é o nosso caminhar — disse Mãe Ana, sucessora de Mãe Stella no Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá.
Força feminina
Também discursaram a secretária de Assistência e Desenvolvimento Social da Bahia, Fabya Reis; a diretora do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro da Fundação Palmares, Fernanda Thomaz; e a secretária de Reparação da Prefeitura de Salvador, Isaura Genoveva, entre outros convidados.
Participaram, ainda, representantes do governo da Bahia, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, do Ministério da Igualdade Racial, da Funarte, da Arquidiocese de Salvador e da Associação das Tradições Culturais e Sociais Afro-brasileiras e Ameríndias do Estado de Goiás.
— Entre as muitas coisas boas que o candomblé nos trouxe está o ensinamento de uma moralidade superior que exalta a força feminina, valoriza de um modo especial as crianças e os velhos e repudia a discriminação por raça, cor, orientação sexual ou crença. (…) Mãe Stella pugnou pelo respeito ao legado cultural afro-brasileiro e à dignidade das mulheres. Esteve na linha de frente do combate à intolerância e ao racismo, lutou contra o preconceito e a barbárie — disse Jaques Wagner.      
Candomblé
Nascida Maria Stella de Azevedo Santos em 2 de maio de 1925, Mãe Stella foi a quinta ialorixá do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais importantes do Brasil. Iniciada no candomblé aos 14 anos, recebeu o nome espiritual de Odé Kayodê, que significa “o caçador que traz alegrias”, refletindo sua missão de disseminar conhecimento e fortalecer a cultura afro-brasileira. 
Educação
Os participantes da sessão solene também lembraram que Mãe Stella foi pioneira na educação ao fundar a Escola Eugênia Anna dos Santos, dentro do Ilê Axé Opô Afonjá, antecipando os objetivos da Lei 10.639, de 2003, que tornou obrigatória a inclusão da história e cultura afro-brasileira no ensino básico.
Igualdade racial
O compromisso de Mãe Stella de Oxóssi com a educação e preservação da memória afro-brasileira a consolidou como referência na promoção da igualdade racial e no fortalecimento das religiões de matriz africana, disse Jaques Wagner.
Ele destacou também que a homenagem à Mãe Stella de Oxóssi fortalece o compromisso do Congresso com a valorização das mulheres negras, historicamente invisibilizadas na construção da nossa identidade nacional e importantes agentes do verdadeiro processo de transformação e reconstrução da sociedade brasileira, bem como das tradições afro-brasileiras e da luta contra a intolerância religiosa.
Caçadora de alegrias
Lídice da Mata lembrou que Mãe Stella foi a primeira ialorixá escritora do Brasil, com nove livros publicados, além de diversos artigos sobre religião e cultura afro-brasileiras. Mãe Stella tornou-se uma intelectual respeitada, contribuindo para a valorização e preservação das tradições africanas no Brasil. 
Seu legado ultrapassou as fronteiras do candomblé e alcançou a academia, o setor público e a sociedade em geral, sendo um símbolo de resistência e sabedoria. Guiada pelo princípio de Oxóssi, Mãe Stella atuou como verdadeira “caçadora de alegrias”, promovendo a valorização do povo negro, da educação e da religião de matriz africana, acrescentou Jaques Wagner.
Luta
Sua luta contra a intolerância religiosa e o racismo a fez receber diversas honrarias, incluindo o Prêmio Camélia da Liberdade, a Medalha Zumbi dos Palmares e a Ordem do Mérito Cultural. Em 2013, Mãe Stella de Oxóssi tornou-se a primeira ialorixá a ocupar uma cadeira na Academia de Letras da Bahia, lembrou Lídice.
— Mãe Stella dedicou sua vida ao cuidado das pessoas, com 30 anos de serviço no setor público de saúde, como enfermeira, à época, visitadora sanitária, e 42 anos como ialorixá do Ilê Axé Opô Afonjá, em Salvador. Baiana de corpo e alma, não teve filhos biológicos, mas foi mãe espiritual de centenas de filhos e filhas de santo. Sua liderança serena e firme enfrentou com coragem o racismo e a intolerância religiosa, sempre com dignidade, lucidez e firmeza de propósito. Foi uma mulher singular, à frente do seu tempo. Religiosa convicta, foi também uma intelectual, uma cidadã que não se limitou ao espaço do terreiro. Desafiou dogmas, enfrentou hipocrisias, denunciou a superficialidade do sincretismo que diluía a essência de sua fé — registrou Lídice.